Direito à desconexão: quando mensagens de whatsapp fora do expediente geram horas extras e indenização

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A linha entre a vida profissional e a vida privada tornou-se tênue, quase invisível, com a popularização de aplicativos de mensagens instantâneas como o WhatsApp, especialmente em um cenário de trabalho remoto e hiperconectividade.

A facilidade de comunicação, que deveria ser uma ferramenta de agilidade, muitas vezes se transforma em uma fonte de ansiedade e sobrecarga, quando chefes e empregadores invadem o descanso do trabalhador com demandas urgentes.

Diante dessa realidade, é crucial que o trabalhador brasileiro conheça os limites legais da atuação patronal e os direitos que o protegem contra a conexão sem limites, garantindo o merecido repouso. 

O Direito Fundamental à Desconexão e os Limites do Contato Pós-Expediente

A primeira tese fundamental a ser compreendida é que o trabalhador possui o Direito à Desconexão, um direito fundamental implícito no ordenamento jurídico brasileiro.

Este direito está intimamente ligado a garantias constitucionais cruciais, como a dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III, da CF) e os direitos sociais à saúde, ao lazer, à privacidade e à limitação da jornada de trabalho.

A Constituição Federal e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estipulam que a jornada normal de trabalho não deve exceder 8 horas diárias ou 44 horas semanais, e todo trabalhador tem o direito de usufruir de um período de descanso adequado das suas tarefas habituais.

O Direito à Desconexão é exatamente a garantia de que o empregado possa usufruir de seus descansos — seja o intervalo intrajornada, o descanso semanal remunerado ou as férias — sem ter qualquer contato com o trabalho

A hiperconexão proporcionada por dispositivos eletrônicos faz com que o empregado se sinta disponível a qualquer tempo, sendo acionado em momentos que deveriam ser destinados ao lazer, convívio familiar e social.

Mensagens e e-mails enviados fora do horário habitual de trabalho, mesmo que banais, podem ser suficientes para prejudicar o repouso e aumentar a jornada de trabalho.

Em tese, o colaborador tem total direito de ignorar uma mensagem de WhatsApp ou e-mail fora de sua jornada de trabalho. Contudo, a realidade prática é que o empregado muitas vezes se sente coagido a responder devido à pressão psicológica e ao medo de perder o emprego.

Este fenômeno é chamado de “telepressão”, no qual o empregador impõe uma cultura de urgência (imediatismo) e valoriza a disponibilidade excessiva como um diferencial no desempenho.

O Judiciário tem se posicionado veementemente contra essa cultura, como demonstrou o Ministro Alexandre Agra Belmonte em um julgamento no TST:

Se não era para responder, por que mandou o WhatsApp? Mandou a mensagem para qual finalidade? Se não era para responder, deixasse para o dia seguinte. Para que mandar mensagem fora do horário de trabalho? Isso invade a privacidade, a vida privada da pessoa…”

A falta de regulamentação específica no Brasil (ao contrário de países como França e Austrália,) torna este direito implicitamente reconhecido pelos Tribunais. É fundamental que o empregador estabeleça limites claros (como políticas internas) e que o empregado se utilize de seus mecanismos de defesa quando esses limites são extrapolados. A ausência de desligamento mental da atividade laboral representa um risco real e grave à saúde mental do trabalhador.

A proteção à desconexão exige, portanto, não apenas o distanciamento físico, mas o afastamento mental das tarefas desempenhadas, garantindo que o tempo de descanso seja, de fato, tempo de não-trabalho. 

Consequências patrimoniais: quando o whatsapp gera horas extras e sobreaviso

O contato do chefe por WhatsApp fora do expediente pode gerar consequências patrimoniais diretas para a empresa, configurando horas extras ou tempo em regime de sobreaviso, dependendo da natureza e da habitualidade da interação. 

Horas extras e tempo à disposição

A regra geral do Direito do Trabalho é que qualquer tempo em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, deve ser considerado como tempo de serviço efetivo, integrando a jornada de trabalho. Se esta atividade ultrapassar o limite constitucional de 8 horas diárias, o tempo excedente deve ser remunerado como hora extra, com acréscimo de, no mínimo, 50% sobre o valor da hora normal.

As mensagens enviadas pelo empregador fora do horário de trabalho, quando relacionadas à cobrança de ordens, metas, ou emissão de diretrizes para a realização do trabalho, podem caracterizar hora extra.

É vital notar que o simples recebimento de uma mensagem fora do horário de trabalho não é, por si só, suficiente para caracterizar a sobrejornada, nem garante o recebimento de horas extras. O elemento crucial que converte o contato em hora extra é a obrigatoriedade imposta pelo empregador no sentido de o empregado dever responder ou executar tarefas naquele instante.

A Justiça do Trabalho analisa o caso concreto, mas a habitualidade e a imposição são fatores determinantes. Se as solicitações forem recorrentes e demandarem tempo do empregado, ele deverá ser remunerado com o pagamento de horas extras. Em um exemplo prático julgado no TRT da 3ª Região, mensagens de WhatsApp comprovaram a convocação de um trabalhador para trabalhar durante o intervalo e fora da jornada, resultando na condenação da empresa ao pagamento de 3 horas extras diárias. 

Regime de sobreaviso e a súmula 428 do TST 

O WhatsApp também pode configurar regime de sobreaviso.

A Súmula 428, II, do Tribunal Superior do Trabalho (TST) estabelece que:

Considera-se em sobreaviso o empregado que, à distância e submetido a controle patronal por instrumentos telemáticos ou informatizados, permanecer em regime de plantão ou equivalente, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço durante o período de descanso

Portanto, para configurar o sobreaviso, não basta o mero uso do celular fornecido pela empresa; é necessário que o trabalhador seja convocado ou escalado (mesmo que por meios telemáticos) a permanecer em um verdadeiro estado de prontidão obrigatório, aguardando o chamado para o serviço fora de sua jornada.

ATENÇÃO: A Lei nº 14.442/2022 trouxe um desafio para os trabalhadores em regime de teletrabalho. O §5º do Art. 75-B da CLT, incluído por esta lei, estabelece que a utilização de equipamentos tecnológicos para o teletrabalho fora da jornada habitual não será considerada tempo à disposição, prontidão e sobreaviso, exceto se houver previsão expressa em acordo ou convenção coletiva.

Contudo, essa norma legal não impede que o Judiciário reconheça o abuso do poder diretivo e a subordinação contínua imposta pela cobrança de tarefas, aplicando o princípio da dignidade humana.

Mesmo diante dessa restrição legal, a jurisprudência anterior, como a do TST, reconheceu o direito ao pagamento de sobreaviso quando o empregado estava sujeito a convocação por celular ou notebook a qualquer momento, o que equivalia a tempo à disposição.

Se o empregador impõe a obrigatoriedade de resposta imediata ou solicita a execução de tarefas, o trabalhador está exercendo sua atividade, e a empresa tem a responsabilidade de pagar o tempo extra trabalhado. 

Dano existencial, mecanismos de defesa e a prova do abuso no whatsapp

Além das consequências patrimoniais (horas extras), o contato abusivo e habitual do chefe fora do horário de trabalho pode gerar indenização por dano moral ou dano existencial

A caracterização do dano moral e existencial

O dano existencial ocorre quando a conduta do empregador limita a vida pessoal do empregado, restringindo seu direito de usufruir dos períodos de descanso, lazer e convivência familiar e social. O abuso na cobrança de metas por WhatsApp fora do expediente, por exemplo, extrapola os limites aceitáveis no exercício do poder diretivo (potestativo) da empresa, gerando no trabalhador apreensão, insegurança e angústia.

O TST já reconheceu em diversos julgados que essa prática fere a privacidade, e em casos de cobrança abusiva de metas fora do horário, o dano moral, por vezes, é considerado presumido (in re ipsa), necessitando apenas da prova dos fatos (o envio das mensagens) e não da prova do prejuízo em si.

O TST condenou uma empresa ao pagamento de R$3.500,00 a um empregado submetido a essa cobrança, entendendo que nenhum empregado se sente à vontade para ignorar uma mensagem do seu empregador, temendo perder o emprego.

Em situações de jornada extenuante (que o acúmulo de horas de trabalho via WhatsApp pode causar), os tribunais buscam proteger a dignidade humana do trabalhador.

A violação do direito à desconexão é uma afronta a esse princípio, pois impede o indivíduo de se dedicar a atividades de sua vida particular, como seu projeto de vida ou sua vida de relação. 

O que fazer e como provar o abuso

  1. Rescisão Indireta: Se o acesso fora do horário for excessivo, habitual ou configurado como assédio, o trabalhador pode requerer a rescisão indireta do contrato de trabalho. A rescisão indireta é a chamada “justa causa do empregador” (Art. 483 da CLT), aplicável quando o empregador não cumpre as obrigações do contrato ou trata o empregado com rigor excessivo.

 

  1. A Prova do WhatsApp na Justiça: As mensagens, áudios e conversas trocadas via WhatsApp são consideradas provas tecnológicas e são admissíveis na Justiça do Trabalho, desde que obtidas por meios lícitos. A utilização de uma gravação ou registro de conversa por um dos participantes, mesmo sem o conhecimento do outro, é vista como um meio lícito de prova.

Para garantir a validade e a idoneidade da prova digital, que pode ser facilmente alterada ou descontextualizada, o meio mais seguro é a Ata Notarial.

 O trabalhador comparece a um tabelião para que este ateste a realidade factual das informações contidas no aplicativo, conferindo fé pública ao conteúdo das mensagens.

Você pode: registrar as mensagens, horários e conteúdo das cobranças; buscar a autenticação dessas provas via Ata Notarial; e, com o suporte de um advogado, pleitear na Justiça do Trabalho o pagamento das horas extras/sobreaviso e a indenização por danos morais/existenciais resultantes da violação do seu direito fundamental à desconexão.

Se está passando por isso em seu trabalho e sendo privado de seu horário de descanso por inúmeras abordagens desse tipo, por parte de seu empregador, não hesite em procurar seus direitos. Fale com um profissional especializado no assunto, nosso escritório de advocacia trabalhista está à disposição para defender sua dignidade e garantir seus direitos.

Fonte – Jusbrasil